27/04/11

Entornada

Costumo dizer que sou entornada. Não sou retornada, pois não retornei ao meu país. Sou sim, entornada num novo país. Não trago memórias da partida. O que sei foi-me contado. Sei que quando chegámos ao aeroporto da Portela, a Cruz Vermelha deu-nos mantas e copos de plástico. Sei que quando chegámos fomos levados para um "lar de retornados", antiga fábrica de não-se-o-quê, em que uma família de 6 pessoas (o meu caso), ficou num quarto com 2 beliches. E são poucas também as recordações do lar, onde felizmente ficámos pouco tempo, mas ainda hoje trago na memória o ferro com uma argola na ponta que deram ao meu pai para se defender quando atacassem o lar. Lembro-me de ir com a minha mãe e irmãos na Av. da Liberdade e ouvir alguém gritar do outro lado da rua "retornados de merda". Sou entornada, mas não pedi a ninguém para voltar. Fomos despejados pois o meu pai trabalhava para o Governo, sendo alvo a abater em primeira mão.

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